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Silvia Rivera Cusicanqui: Seguir olhando para a Europa é aposta em um suicídio coletivo

  • Aproveitando a visita de Silvia Rivera Cusicanqui em Códoba, Gabiana Bringas realizou uma entrevista com a intelectual boliviana em seu programa de rádio ‘Sob o Mesmo Sol’. A socióloga nos explica quais são as possibilidades que temos para descolonizarmos.

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    Silvia Rivera Cusicanqui é uma destacada socióloga e intelectual boliviana colaboradora do Movimento Indianista Katarista e do Movimento Cocalero. Uma das fundadoras da Oficina de História Oral Andina. É autora de vários livros, participou de filmes e é docente universitária expulsa da Faculdade de San Andrés de La Paz. Em sua estadia em Córdoba concedeu entrevista para o programa Sob o ‘Mesmo Sol’

    A socióloga atualmente participa de um grupo anarquista. São autogestionados, tem uma casa que construiram com suas próprias mãos e uma horta. Dão cusos fazem recitais e apoiam algumas mobilizações na Bolívia. Não tem sido apenas uma intelectual e pensadora, sempre tem estado atravessada pelas lutas territoriais e tem sido pragmática.

    Identificação e descolonização

    Segundo a socióloga, “descolonização” – termo que ela se refere ao largo de sua produção acadêmica – tornou-se uma palavra mágica que cobre tudo e nada ao mesmo tempo. Ocorre algo perigoso aqui, destaca, a tendência é pensar que a colonização apenas afeta aos indígenas. Quando na realidade, “os mais afetados são os mestiços”, até o colonizador tem que descolonizar-se porque está em uma relação de poder ilegítima, espúria e violenta.

    La tendencia es pensar que la colonización sólo afecta a los indígenas. Cuando en realidad, “los más afectados son los mestizos”, hasta el colonizador tiene que descolonizarse porque está en una relación de poder “ilegítima, espuria y violenta”.

    Por outro lado, destaca que não gosta de referir-se a “Identidade”, prefere falar de “Identificação”. Com que nos identificamos? “Porque se identificar é um processo, no entanto a identidade é como uma camiseta ou tatuagem que você não pode removê-la”. A longo da vida estamos atravessadas por diferentes identificações, algumas mas fortes que outras, Em relação aos conceitos, Rivera Cusicanqui se “identifica” como uma “mestiça que busca uma descolonização da própria subejtividade”

    Europa como norte

    Atualmente, o problema que ela detecta é que estamos imersos em uma “crise global”. “Essas referências que pareciam hegemônicas, na realidade por serem inquestionáveis, estão começando a desmoronar” Agora os europeus estão enfrentando o que ela denomina, “a outra cara da dominação”, consequência da polarização que eles mesmos geraram para sustentar seus próprios privilégios.

    Rivera Cusicanqui entende que se deixamos de nos espelhar nos Estados Unidos ou na Europa, e focarmos na América Latina, vamos ver que somos fonte de uma resistência maior e temos ferramentas para poder fazer frente a uma crise. A socióloga afirma que na América Latina “hoje estamos vivendo um processo de capitalismo selvagem, de saques sem limites”, o sistema produtivo extrativista, minerações a céu aberto, a política de fracking, tudo leva a um “beco sem saída, seguir se espelhando na Europa é apostar por uma espécie de suicídio coletivo”

    O problema é de “senso comum” acredita ela, não se pode continuar desperdiçando e destruindo os bens comuns. Atualmente existe uma emergência de movimentos indígenas que começam a identificar-se com os seus antepassados e, especialmente, com a terra, então eles dão dois processos, a “recuperação da espiritualidade” e “politização da etnicidade”, ambos muito positivo e distantes da ideia de etnicidade ligada ao folclore ou turismo.

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    Patriarcado

    Silvia Rivera Cusicanqui também se preocupa em repensar a relação com o patriarcado. Define-o como um “complexo de centralizações” centralizou-se o conhecimento na Europa e isto gerou o etnocentrismo; centralizou-se o direito, a palavra e o pensamento na Europa e tem se dado o “logocentrismo”; e ainda estamos centralizando a noção de cultura e civilização no colonizador. “O androcentrismo é parte deste complexo colonial”, a solução que a socióloga sugere é descentralizar tudo”

    Por outro lado, e além de ser o patriarcado um “fenômeno planetário” isto não designa um caminho comum para o feminismo, “existem tantos feminismos como culturas”. Ela acredita que estamos no processo de “encontrar e formular um ideal de coexistência e equilíbrio, entre as minorias estigmatizadas pelo sexismo, que não significa apagar o outro ou favorecer um dos dois pólos” mas sim de andarem de mãos dadas, respeitando suas urgências.

    O antropocentrismo anda de mãos dadas com o androcentrismo. Há agora uma revolução epistemológica em relação aos movimentos indígenas e se começa a reconhecer outros sujeitos que também tem direitos. Os animais, os vegetais, a pachamama, são reconhecidos como sujeitos de direito, este é o começo para superar o antropocentrismo definitivamente.

    Em relação aos governos que chegaram ao poder na América Latina, com discurso progressista, Rivera Cusicanqui falou de discursos que não tem correlação com a prática. Então passa a ser um discurso que tem a função de esconder o que se faz na prática.

    “Nunca antes se violou tanto a natureza na Bolívia como a partir deste governo”, afirma em relação ao governo de Evo Morales. Estes discursos indigenistas que tapam as verdadeiras intenções, significam a “deterioração da palavra pública”, algo abominável para muitas etnias indígenas.

    A saída

    Silvia Rivera Cusicanqui não vê opções de saída a nível macro, tampouco uma saída imediata. “O imediatismo é um típico gesto da classe média, a impaciência”. “Em contrapartida, a resiliência, a resistência e a paciência características de populações menores, mais combativas e muito mais sábias, podem nos mostrar outro caminho”.

    A socióloga esclarece que não faz sentido pensar que as ações de indivíduos vão significar grandes mudanças. Temos que exercer micropolítica, “criar pequenas comunidades de afinidade com pertencimentos de ordem emocional e racional” e partir delas tecer redes.

    “Comunidades e redes vão nos ajudar”, são os elementos chaves para sobreviver a esta conjuntura. De igual forma, tudo está dado por ciclos, atualmente estamos em um “mal ciclo”, mas “não é o fim do mundo”. Afirma que “temos que manter a brasa viva para que possamos outra vez acendermo-nos como fogo”.

    A entrevista completa de Silvia Rivera Cusicanqui ao programa Sob o Mesmo Sol, está disponível para áudio online

    Tradução do artigo publicado no periódico La Tinta